Artigo da UVE – Associação de utilizadores de Veículos Elétricos, publicado na edição nº 90 da revista Blueauto de abril de 2025, sobre a apresentação do “Plano de Acção Industrial para o sector automóvel europeu” pela Comissão Europeia.

No dia 5 de março de 2025, a Comissão Europeia apresentou o muito esperado Plano de Acção Industrial para o sector automóvel europeu 1. O Plano de Ação pretende responder aos desafios atuais do setor – como a forte concorrência de marcas americanas, como a Tesla, e da China, com a BYD a crescer fortemente2. Estes desafios ocorrem ao mesmo tempo em que é pedido uma grande transformação à indústria automóvel europeia, de forma a impulsionar a transição para uma mobilidade mais amiga do ambiente.
O Plano surge na sequência dos diálogos iniciados com o setor, através do Diálogo Estratégico sobre o futuro da indústria automóvel3, lançado pela presidente Ursula Von der Leyen a 30 de janeiro de 2025, contando com 22 organizações do setor, incluindo representantes de fabricantes de automóveis, do setor de carregamento de veículos elétricos, de trabalhadores do setor e da sociedade civil.
Importa lembrar a evolução da legislação europeia no que toca à descarbonização do setor automóvel, nomeadamente, de forma a garantir o alinhamento com a ambição da União Europeia (UE) de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 55% até 2030 e atingir a neutralidade carbónica até 2050. Em abril de 2023, deu-se a alteração do Regulamento4 que determina os padrões de desempenho dos novos automóveis de passageiros e veículos comerciais ligeiros (carrinhas), estabelecendo uma meta de redução de emissões de 100% para automóveis e carrinhas a partir de 2035. Na prática, isto significa que, a partir de 2035, todos os automóveis novos que chegarem ao mercado não poderão emitir CO2. Até lá, há metas intermédias, de forma a garantir uma transição gradual. As marcas que não cumprirem as metas serão multadas em 95 € por cada grama de CO2 por quilómetro emitido acima da meta para cada veículo registado num determinado ano.


A medida é um pilar da legislação europeia no que toca à redução de emissões no setor dos transportes. Importa lembrar que, segundo a European Environment Agency (EEA)5, os automóveis ligeiros de passageiros e as carrinhas são responsáveis por cerca de 16% e 3% (respetivamente) do total das emissões de CO2 da UE. Assim sendo, a medida é crucial para garantir a transição da frota para veículos com zero emissões e reduzir as emissões deste setor altamente poluente. Olhando para os veículos elétricos – que se espera virem a contribuir largamente para a meta, tendo em conta o menor custo de propriedade e o avanço da tecnologia em relação às outras alternativas – as metas poderão também contribuir para estimular a diversificação da oferta no mercado, com maior competitividade e modelos mais acessíveis.
Desde o início, o Regulamento teve a sua dose de controvérsia, com a Alemanha a ameaçar chumbá-lo à última hora, exigindo uma exceção para os veículos que utilizam combustíveis sintéticos (os chamados e-fuels). Isto resultou na introdução de um preâmbulo que prevê que a Comissão Europeia apresente “uma proposta para matricular, após 2035, veículos exclusivamente movidos a combustíveis neutros em termos de CO2”. Desta forma, o Regulamento que, originalmente, se pensava que iria levar à proibição de venda de veículos de combustão interna (ICE), abriu assim as portas a uma revisão que levaria à continuação de venda de ICE movidos a e-fuels.
Contudo, a iniciativa voltou a ser alvo de debate no final de 2024, quando o maior grupo político europeu (Partido Popular Europeu, PPE) trouxe para cima da mesa a possibilidade de rever as metas de forma a evitar grandes multas para o setor6, juntando-se às vozes dos maiores grupos automóveis europeus que, através da associação do setor (ACEA), iam lançando críticas às metas e pedindo maior flexibilidade.
De forma a dar resposta às preocupações do setor automóvel, a Comissão Europeia lançou o Diálogo Estratégico, com o mandato de auxiliar na preparação de um Plano de Ação para o setor. Foi este o Plano agora apresentado a 5 de março.
Estando a história bem estabelecida, viremo-nos então para o que diz o Plano. Primeiro que tudo, há que dizer que este é um plano muito positivo para a mobilidade elétrica e que vem demonstrar que esta é imprescindível à transição verde do setor.
O Plano organiza-se em 5 pilares: 1) inovação e digitalização, 2) mobilidade limpa, 3) competitividade e resiliência da cadeia de abastecimento, 4) competências e dimensão social, e 5) igualdade de condições e ambiente de negócios.
Vejamos as iniciativas propostas mais salientes, começando pelas metas de redução de CO2. Contrariamente aos receios de muitos, a ambição estabelecida pelas metas foi mantida, pretendendo-se dar mais tempo aos comerciantes para as cumprir. Assim, ao invés de uma meta anual, propõe-se um período de conformidade de três anos (2025-2027), permitindo aos fabricantes de automóveis compensar eventuais insuficiências num ou dois anos com excedentes noutros, mantendo, no entanto, a ambição global das metas estabelecidas para esses anos. Para além desta alteração estratégica, sabemos também que a revisão deste Regulamento está prevista para 2026, com a Comissão a comprometer-se a acelerar o trabalho preparatório. Tal como antecipado nas Orientações políticas da presidente Ursula von der Leyen7, essa revisão deverá também concretizar a inclusão dos e-fuels no leque de opções permitidas para a frota automóvel após 2035.
O plano anuncia também medidas direcionadas a estimular a procura de veículos elétricos. Destacam-se as medidas para acelerar a adoção de veículos com emissões zero nas frotas empresariais. Por agora, a Comissão Europeia ficou-se por apresentar recomendações aos Estados Membros para a adoção de medidas a nível nacional, regional e local, no que toca a incentivos fiscais e à introdução de quotas de veículos com zero emissões em frotas privadas (tais como táxis e serviços de car-sharing). Estas sugestões serão complementadas por uma proposta legislativa prevista para o final de 2025. Prevê-se que esta medida seja bastante importante para acelerar a procura e não só – sendo que as frotas empresariais representam cerca de 60% dos registos de automóveis na UE, esta medida poderá ajudar os fabricantes de automóveis a cumprir as metas estabelecidas para veículos ligeiros comerciais e de passageiros. No que toca aos veículos pesados, o Plano anuncia também medidas interessantes, como o estabelecimento de um Corredor Europeu de Transporte Limpo (European Clean Transport Corridor) que permitirá a aceleração do licenciamento e investimento em carregadores para veículos pesados ao longo dos principais corredores logísticos da rede transeuropeia de transportes (TEN-T)8. Um montante adicional de 570 milhões de euros será disponibilizado em 2025 e 2026 no âmbito do Mecanismo para as Infraestruturas de Combustíveis Alternativos (AFIR), destinando-se a financiar o estabelecimento de pontos de carregamento (e outras infraestruturas de combustíveis alternativos), com especial foco na infraestrutura dedicada aos veículos pesados. A Comissão propõe ainda estender além de 2025 o prazo durante o qual os Estados Membros podem optar por isentar veículos pesados de emissões zero do pagamento de taxas rodoviárias.

O Plano não esquece as baterias, com a Comissão a propor iniciativas cruciais ao reforço do mercado de veículos elétricos de segunda mão, nomeadamente com o anúncio de uma iniciativa legislativa para garantir o acesso à informação sobre a saúde das baterias. Esta medida tem o potencial para assegurar a harmonização e a certificação dos testes feitos à saúde das baterias, bem como para aumentar a confiança dos consumidores nos veículos elétricos usados. As linhas de investimento e apoio aos fabricantes de baterias saem também reforçados, através do reforço do financiamento disponibilizado pelo Fundo de Inovação, a introdução de novos requisitos de conteúdo europeu, e financiamento para reciclagem de baterias e veículos em fim de vida.
Importa lembrar que o Plano apresentado apenas pode ser visto como um roteiro para iniciativas que, na sua maioria, ainda serão apresentadas pela Comissão Europeia, sujeitas depois a discussão e aprovação pelo Parlamento Europeu e Conselho. Assim sendo, o Plano apresentado mostra-nos que há muito caminho a trilhar, podendo o setor contar com bastante atividade por parte da Comissão Europeia já em 2025 e 2026.
É evidente que a maior flexibilidade na meta anual de CO2 é uma concessão significativa aos fabricantes automóveis. Não passa despercebido que essa flexibilidade, que impacta o cumprimento da meta de 2025, é anunciada apenas em março do próprio ano, perante forte pressão do setor. Com a implementação deste Plano de Ação abrangente, resta apenas esperar que tal não crie um precedente para que, em 2027, ocorra um retrocesso semelhante – o que comprometeria metas essenciais para a transição da mobilidade sustentável.
Estas são apenas algumas das medidas anunciadas com forte impacto na Mobilidade Elétrica. O Plano de Ação inclui outras iniciativas relevantes que podem ser consultadas na Comunicação apresentada pela Comissão Europeia.

Consulte a edição digital da Revista Blueauto, nº 90

Artigos relacionados

Observatório da Mobilidade Elétrica (O-ME), desenvolvido pela UVE
Artigo da UVE – Associação de utilizadores de Veículos Elétricos, publicado na edição nº 89 da revista Blueauto de março de 2025, sobre o desenvolvimento do Observatório da Mobilidade Elétrica (O-ME).

O Estado da Rede – A Incerteza Instalada (Parte 2)
Artigo publicado na revista Blueauto nº 88, de fevereiro de 2025.
- Plano de Acção Industrial para o sector automóvel europeu ↩︎
- https://www.uve.pt/page/vendas-ve-01-2025 ↩︎
- Diálogo Estratégico sobre o futuro da indústria automóvel ↩︎
- https://eur-lex.europa.eu/eli/reg/2023/851/oj ↩︎
- European Environment Agency (EEA) ↩︎
- Partido Popular Europeu (PPE) – possibilidade de rever as metas de forma a evitar grandes multas para o setor ↩︎
- Orientações políticas da presidente Ursula von der Leyen ↩︎
- rede transeuropeia de transportes (TEN-T) ↩︎