Elétrico mais caro que Gasóleo? A verdade por detrás dos títulos alarmistas.

Artigo da UVE – Associação de utilizadores de Veículos Elétricos, publicado na edição nº 92 da revista Blueauto de junho de 2025, com esclarecimento sobre como os valores comparativos de €/100km entre veículos elétricos vs veículos a combustão não refletem a realidade da maioria dos utilizadores de veículos elétricos em Portugal.


Nas últimas semanas, surgiram diversas notícias nos meios de comunicação social com títulos alarmistas: “Percorrer 100 km de carro elétrico já é mais caro do que a gasóleo.” Estas afirmações, ainda que possam refletir situações muito específicas e efetivamente alicerçadas em dados do Observatório da Mobilidade Elétrica da UVE – Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos, não representam a realidade da maioria dos utilizadores de veículos elétricos (VE) em Portugal e desinformam mais do que esclarecem.

O que está por detrás desta comparação?

Quando consultamos o Observatório da Mobilidade Elétrica (O-ME) da UVE, no segmento “€/100km – comparativo entre veículos elétricos vs veículos a combustão” a realidade com que nos confrontamos (dados de abril 2025) é um custo médio de 7,40€, para percorrer 100km com um veículo a gasóleo e 7,89€, para percorrer a mesma distância num veículo elétrico se o carregarmos na rede pública. Mas validam estes números as afirmações sensacionalistas das notícias?

Quadro 1: Página do Observatório da Mobilidade Elétrica desenvolvido pela UVE com comparativo de custos para percorrer 100km

Em primeiro lugar devemos referir que na página comparativa do O-ME, também são apresentados os valores para percorrer 100km com um veículo elétrico, quando carregamos esse veículo em casa ou no trabalho, com uma tarifa simples, ou com uma tarifa bi-horária e ainda num cenário típico, que representa a realidade de muitos utilizadores, que carregam o seu veículo 75% em casa ou no escritório e os restantes 25%, nas suas deslocações mais longas, recorrendo a rede pública. Nestas condições os valores são muito inferiores ao custo do gasóleo, respetivamente 3,19€, 2,11€ e 3,55€, igualmente dados de abril 2025. (ver quadro 1).

Resta-nos assim, apenas como verdadeira a afirmação, caso um utilizador recorra a 100% dos seus carregamentos na rede pública. Mas mesmo neste caso é preciso entender como são alcançados os valores apresentados no O-ME e verdadeiramente o que representam.

Um primeiro fator a ter em conta é a realidade da rede pública de carregamento do veículo elétrico quando confrontada com o abastecimento de um veículo a combustão.  A variação de custo máximo e mínimo de um litro de gasóleo nos postos de abastecimento em Portugal ronda os 20%, no entanto, na rede de carregamento pública a variação de custo entre o posto mais económico e o mais caro atinge valores de 200%. A analise do O-ME é feita para valores médios e considera uma média ponderada do peso na rede de cada valor, mas, naturalmente, um valor médio de um leque tão amplo de valores, resulta inevitavelmente, numa grande quantidade de postos com valores muito inferiores à média.

Em segundo lugar, na rede pública de carregamento temos postos de diversas potências de carregamento, regra geral quanto maior potência de carregamento mais caro será esse serviço. Os postos de alta potência são importantes para o utilizador nas suas viagens longas, pois representam um menor tempo de espera na sua operação de carregamento. Em contrapartida os postos de carga mais lenta, tipicamente de corrente alternada, possuem preços mais económicos e regra geral são os que encontramos nos nossos centros urbanos e zonas comerciais.

Quadro 2: Comparativo de custos para percorrer 100km com divisão por potências de carregamento

O Quadro 2 permite uma visualização muito clara das afirmações do paragrafo anterior, mostrando valores menores para potências de carregamento de 7,4kW em AC e 50kW em DC. Importa deixar uma justificação mais técnica, acompanhada de uma chamada de atenção aos operadores dos postos de carregamento, para o custo de 7,83€ registado pelo O-ME para potencias de carregamento entre os 7,4 e os 22kW. Na rede pública portuguesa a grande maioria destes postos cobram por tempo e nos seus cálculos os operadores consideram a possibilidade de carregamento a 22kW, no entanto, a esmagadora maioria dos veículos elétricos em circulação no nosso país não consegue carregar a 22kW nestes postos, ficando-se pelos 11kW por limitações técnicas do veículo. O O-ME tem este fator em consideração resultando nesta situação, para qual repetidamente temos vindo a alertar os operadores.  

Da análise destes dois fatores resulta a obvia conclusão de que um utilizador que esteja 100% dependente dos carregamentos na rede pública o fará muitas vezes nos postos de menor potência, em zonas urbanas e/ou comerciais, conseguindo desta forma minimizar os seus custos de carregamento. Um utilizador 100% dependente da rede pública vai integrar na sua rotina semanal a criação de uma oportunidade de carregamento, com uma seleção criteriosa dessa localização.

Mas estas justificações não confirmam a inexistência de problemas com o custo de carregamento da rede publica. E muito menos devemos ficar satisfeitos apenas porque conseguimos alcançar valores, para percorrer 100km, inferiores ao custo do gasóleo.

Portugal compara relativamente bem com os custos de carregamento no resto da Europa, mas como diz o proverbio popular português, “com o mal dos outros posso eu bem”, e na realidade aquilo que o O-ME nos mostra é uma evolução crescente e significativa do custo, principalmente dos novos postos de carregamento que todos os meses são adicionados na nossa rede de carregamento. E naturalmente, isto sim deve ser um caso de preocupação. (Ver quadro 3).

Quadro 3: Evolução custo kWh na rede publica, abril 2024 a abril 202. Comparação da média global da rede com os novos postos de carregamento que são adicionados à rede em cada mês.

É certo que a crescente entrada de grandes estações, com muitos pontos de carga de alta potência, “puxa” os preços médios para cima, mas deve ser também crescente a entrada na rede de carregadores de proximidade, de menor potência, para os novos utilizadores que chegam todos os meses, sem possibilidade de carregamento em espaços privados.

Neste domínio é fundamental que os municípios considerem soluções praticas, que consigam resultar em baixos custos de operação, reduzindo o custo para os seus munícipes. Considerar o espaço público onde se instala um carregador não deve ser uma nova fonte de receita, pelo contrário deve ser um serviço prestado ao munícipe que acelere a transição energética. Um operador de postos de carregamento, obviamente, conseguira disponibilizar tarifas mais económicas se possuir um conjunto de medidas mais atrativas criadas pelo município e é fundamental que elas surjam.

Quadro 4: Página do Observatório da Mobilidade Elétrica desenvolvido pela UVE que mostra a evolução dos custos para percorrer 100km, abril 2024 a abril 2025. As linhas mostram uma estabilidade maior na eletricidade. Comparando os valores de abril 2024 com abril 2025 temos uma redução de 5% para o gasóleo, contra um aumento de 3% no carregamento na rede pública.

Interessa ainda dar nota que as poupanças no custo total de utilização de um veículo elétrico continuam muito reais. Um menor custo de manutenção, discriminação positiva em algumas portagens (ponte 25 Abril e Vasco da Gama), estacionamento nas cidades e a nível fiscal com a isenção do IUC.

Consulte a edição digital da Revista Blueauto, nº 92

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