O crescimento do setor dos veículos elétricos surpreende até quem sempre os defendeu

Em 2020, a rede pública de postos de carregamento de veículos elétricos vai, finalmente, chegar ao número proposto aquando da criação da Mobi.E, há dez anos. Entidades públicas e privados avançam para a eletrificação das frotas.


Entrevista realizada pelo Jornal i Online, a Henrique Sánchez
Presidente da UVE
05/01/2020


“Em 2020, já ninguém tem dúvidas de que os veículos elétricos vieram para ficar”.

Quem o diz é Henrique Sánchez, presidente do Conselho Diretivo da Associação Utilizadores de Veículos Eléctricos (UVE), que anuncia o novo ano como o ponto de viragem decisivo – e definitivo – no segmento dos carros elétricos, graças ao alargamento massivo da rede pública de postos de carregamento em território nacional, através de um investimento que vai unir esforços entre Estado e privados.

Ao fim de dez anos, a Mobi.E, empresa que gere a rede pública de postos de carregamento, concretiza, finalmente, o plano que levou à sua constituição. Em 2010, a entidade lançou uma rede piloto de 1250 postos lentos e apenas um rápido, localizado em Vila Nova de Gaia. Depois de várias dificuldades na gestão e manutenção dos equipamentos – muitos dos quais, entretanto, considerados obsoletos (por falta de potência) ou danificados, tal como a UVE alertou num manifesto datado de julho do ano passado –, a Mobi.E avança para a cedência dos seus hubs através de um concurso internacional anunciado na última semana de 2019. O concurso deverá ficar concluído ainda no primeiro semestre deste ano e prevê a concessão a privados de 643 postos de carregamento lento e semi-rápido. 

A concurso, estão 11 lotes com cerca de 60 carregadores cada, a que se somam ainda até 20 unidades criadas por câmaras municipais. Feitas as contas, este total de 663 novos carregadores vai somar-se aos 601 já em funcionamento, “libertando” o Estado, por via da Mobi.E, da gestão e manutenção destes equipamentos, um objetivo por concretizar há já vários anos. A estes números, juntam-se ainda 183 postos de carregamento rápido. Neste caso, já existem 104 instalados e em funcionamento, 33 em processo de instalação e 46 que se mantêm por instalar, mas com local e prazo já definidos (dentro dos próximos 12 meses).

Nesta autêntica revolução, ficam por contabilizar os investimentos privados já anunciados, mas que, para já, são difíceis de aferir objetivamente. Entre autarquias e entidades como Sonae, EDP, Galp ou Nissan, já estão anunciados para 2020 cerca de 850 novos postos de carregamento de veículos elétricos, disponíveis ao público. Em Lisboa, a Câmara tem prevista a abertura de três estações com multicarregadores, que vão ficar situadas nas zonas do Parque das Nações, Campo Grande e Algés, com, pelo menos, quatro carregadores rápidos cada.


Território nacional totalmente coberto 

Uma das principais preocupações deste plano incide na cobertura dos postos de carregamento. O objetivo do concurso lançado pela Mobi.E é a “democratização” dos equipamentos, ou seja, o seu acesso em qualquer ponto do país e por qualquer cidadão. Para assegurar essa equidade, cada lote a concurso (de 60 carregadores) prevê a instalação no litoral e em grandes cidades, mas também em localidades médias e pequenas. Henrique Sánchez explica que “foi feita uma divisão, de forma a que os postos de carregamento tenham de ficar obrigatoriamente localizados na região interior do país”, em zonas com menor densidade populacional. 

“Essa é exatamente a missão do Estado: garantir que a rede seja alargada a todo o território nacional continental e ilhas, de forma a que a cobertura permita que todos possam usufruir destas opções”, afirma, admitindo, porém, que para as empresas privadas envolvidas neste processo esta opção pode, eventualmente, não garantir receitas significativas imediatas. “Se já é dificil que os postos sejam  rentáveis nas grandes cidades, imagino que, olhando para o interior, essa meta seja ainda mais difícil de alcançar”, acrescenta.

Henrique Sánchez afirma que este processo “era há muito esperado”, embora considere que tudo “está a avançar mais rápido do que se acreditava que fosse possível”.  Atualmente, aquilo que era um nicho de mercado deixou de o ser: no ano passado, e só até novembro, foram vendidos mais de 11.500 carros elétricos. “Os veículos elétricos são o futuro”, sublinha Henrique Sánchez, acrescentando que existem muitos fatores que têm vindo a contribuir para a aceleração deste processo. “A própria legislação da União Europeia, que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2020, vem contribuir para que os veículos elétricos se tornem na opção” lógica para o futuro.

“A luta contra as alterações climáticas vem tornar a eletrificação dos veículos como algo natural”

Num ano em que todos os carros novos, de passageiros ou comerciais ligeiros produzidos na Europa estão obrigados a emissões de CO2 até 95 gramas por quilómetro. Até 2030, porém, prevê-se que as metas sejam ainda mais ambiciosas. As multas em caso de incumprimento podem chegar a valores astronómicos.


Empresas avançam para a eletrificação das suas frotas 

Um dos principais objetivos para 2020 de várias entidades e empresas passa por eletrificar as suas frotas e criar os seus próprios parques com postos de carregamento. Por exemplo, as Câmaras de Lisboa e do Porto já possuem duas centenas de veículos elétricos. No entanto, o exemplo mais paradigmático do ano surge com o Montepio, que vai avançar nos próximos meses para a eletrificação total da sua frota de 700 unidades, passando a contar com 600 veículos 100% elétricos e uma centena de híbridos.