Híbrido Plug-in: “o pior de dois mundos” ou a porta de entrada para a Mobilidade Elétrica?

Artigo publicado na edição nº38 da revista Blueauto de dezembro de 2020, sobre os PHEV – Plug-In Hybrid Electric Vehicle (Híbridos Plug-In), que gerou polémica depois da publicação do estudo da Federação Europeia de Transportes e Ambiente (T&E – Transport & Environment).


Henrique Sánchez
Presidente Honorário da UVE – Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos
Artigo Mensal de Opinião na Revista Blueauto


O recente estudo da Federação Europeia de Transportes e Ambiente (T&E – Transport & Environment) sobre os veículos híbridos plug-in (PHEV – Plug-in Hybrid Electric Vehicle) publicado no mês de novembro com o título: “Híbridos Plug-in: Está a Europa a caminho de um novo dieselgate?”, com o título original: “Plug-in Hybrids: Is Europe heading for a new dieselgate?), coloca-nos perante um conjunto de questões que devemos analisar.

Em primeiro lugar o estudo foca-se numa utilização generalizada, incorreta e deficiente, do veículo híbrido plug-in, que podendo verificar-se não é passível de ser instituída como norma, até porque existem muitos outros exemplos que nos demonstram precisamente o contrário, com o PHEV a ser utilizado da forma para a qual foi concebido: utilização elétrica em meios urbanos para trajetos diários pendulares casa-trabalho e utilização do motor de combustão interna para viagens mais longas de fim de semana ou de férias.

Podemos fazer a comparação com um veleiro. Um veleiro é também um veículo híbrido: funciona com a energia do vento utilizando as suas velas mas também possui um motor de combustão interna para manobras de entrada e saída dos portos e das marinas e para situações de emergência quando a falta total de vento ou a quebra do mastro o obriga a regressar ao porto de abrigo utilizando o motor de combustão interna. Imaginemos que o seu proprietário decide navegar arraiando as velas e navegar apenas usando o motor de combustão, claro que não está a dar a correta utilização a este equipamento/veículo, estará na mesma situação, descrita no estudo como a mais usual o que nunca é fundamentado, de um condutor de um híbrido plug-in que só conduza com o motor de combustão interna – estará a dar-lhe uma utilização incorreta e ineficiente.


Veleiro a navegar somente com o uso das velas
(função principal para o qual foi construído)


Veleiro a navegar com o uso do motor a combustão
(exclusivo para situações de emergência ou manobras de entrada e saída do porto/ marina)


No extremo podemos caricaturar. É o mesmo que alguém comprar uma carroça e um burro, colocar o burro sentado em cima da carroça e começar ele próprio a puxar pela carroça com o burro sentado na mesma. Será eficiente?

Faz-me recordar a frase proferida por Scolari antigo treinador da seleção nacional de futebol:

E o burro sou eu?



As notícias recentemente vindas a público, sobre os benefícios e incentivos que se destinam aos veículos híbridos plug-in, têm gerado alguma controvérsia. Existem dois tipos: Incentivo à Aquisição e Benefícios fiscais.

O Incentivo pela Introdução no Consumo de Veículos de Baixas Emissões, nome já desatualizado pois atualmente só os veículos 100% elétricos (e as bicicletas convencionais) se podem candidatar a este incentivo do Fundo Ambiental, mais conhecido por todos como Incentivo à Aquisição de um Veículo Elétrico, nome bem mais correto pois deste Incentivo estão excluídos os veículos híbridos plug-in, é o único Incentivo direto à aquisição de um veículo elétrico e abrange os veículos ligeiros de passageiros e de mercadorias elétricos, os motociclos e ciclomotores elétricos, as bicicletas e cargo-bikes elétricas e as bicicletas convencionais.

Os Benefícios fiscais dividem-se em duas grandes áreas, uma de benefícios exclusivos aos veículos 100% elétricos: Isenção do Imposto sobre Veículos (ISV), Isenção do Imposto Único de Circulação (IUC) e são comuns aos particulares e às empresas, outra onde se incluem os veículos 100% elétricos e os veículos híbridos plug-in, exclusivos para as empresas e que incluem a Dedução do IVA e a Poupança em sede de IRC, com valores máximos de aquisição para os híbridos plug-in de 50.000€ (+IVA) e para os 100% elétricos de 62.500€ (+IVA).

Exemplo de poupança entre um veículo 100% elétrico, um veículo híbrido plug-in e um veículo com motor de combustão interna (benefícios fiscais exclusivos para empresas), para uma utilização de quatro anos.

Neste link poderá utilizar o “Simulador de auxílio à decisão de adquirir um ligeiro de passageiros para uma empresa (fonte: Jorge Silva, Neto, Ribeiro & Pinho, SROC, Lda.), Elétrico, Plug-in ou Combustão? qual adquirir?”, para o cálculo das poupanças.

Ao longo deste ano temos assistido a um aumento significativo das autonomias dos veículos 100% elétricos e da capilaridade e extensão das Redes de Carregamento para Veículos Elétricos, quer seja da Rede Pública de Carregamento Normal ou da Rede Pública de Carregamento Rápido, com o aumento da potência, da respetiva velocidade de carregamento e consequente diminuição dos tempos de carga.

Começam assim a dissipar-se as legítimas preocupações de quem adquiria este tipo de veículos, razão pela qual a UVE defende que os benefícios fiscais sejam gradualmente transferidos dos veículos híbridos plug-in para os veículos 100% elétricos, favorecendo e acelerando cada vez mais a eletrificação do parque automóvel em Portugal. Esta transformação deverá ser um processo gradual que deve ter sempre presente a aceleração da eletrificação dos transportes e da mobilidade dos humanos e potenciar a transição energética da nossa economia. Esta transição dos benefícios que defendemos, enquanto Associação de Utilizadores, contribuirá naturalmente para que os veículos híbridos plug-in tenham menos propensão a ser adquiridos por razões de índole mera ou exclusivamente fiscal, o que inequivocamente também potenciará um uso mais correto e eficiente dos mesmos.

A simples extinção de qualquer Incentivo ou Benefício aos veículos híbridos plug-in ou 100% elétricos, é uma mensagem errada que se transmite, contracorrente, pois ainda estamos longe da eletrificação do parque automóvel, sendo que os híbridos plug-in têm um papel a desempenhar nesta mudança, como veremos de seguida.

Veículo Híbrido Plug-in: “o pior de dois mundos” ou a porta de entrada para a mobilidade elétrica?

Os veículos híbridos plug-in se por um lado representam “o pior de dois mundos” pois acumulam o pior do motor de combustão interna (ineficiência, mais custos de utilização, mais despesas de manutenção, etc.) com o pior do modo elétrico (a pouca autonomia da bateria, especialmente nos híbridos plug-in), também têm sido a porta de entrada para muitas famílias que não encontravam uma resposta às suas necessidades, quer em termos de espaço interior, número de ocupantes, capacidade de carga ou autonomias disponíveis no mercado, iniciando assim a sua eletrificação com a aquisição de um híbrido plug-in. Através da sua correta utilização, utilizando o modo elétrico nas suas viagens pendulares casa/trabalho durante a semana e recorrendo ao motor a combustão para as viagens de férias ou de fim de semana, puderam confirmar pela prática e pela sua própria experiência as grandes vantagens da condução em modo elétrico em detrimento da utilização com o motor de combustão interna, muito mais agradável, suave, simples e eficiente, além dos menores custos de utilização e manutenção em termos de oficina e peças.

Esta transição energética e a eletrificação da mobilidade devem exigir um esforço de todos os intervenientes:

  • Os Construtores que devem produzir veículos elétricos híbridos plug-in com baterias com mais capacidade e portanto que permitam maiores autonomias em modo elétrico em detrimento do aumento da cilindrada dos motores de combustão interna;
  • As Empresas que devem promover o uso das suas viaturas em modo elétrico, quer premiando a quilometragem percorrida em modo elétrico em detrimento dos quilómetros percorridos com o uso do motor de combustão interna, assim como devem fornecer aos seus colaboradores cartões CEME (Comercializador de Eletricidade para a Mobilidade Elétrica) tal com já o fazem para os cartões frota de combustíveis fósseis, devendo também disponibilizar a possibilidade de carregamento nas suas próprias instalações;
  • Os Utilizadores que devem fazer um uso correto dos respetivos veículos elétricos híbridos plug-in, usando preferencialmente o modo elétrico sempre que seja aconselhado e possível.
  • O Estado que deve manter os Incentivos e os Benefícios Fiscais aos veículos elétricos híbridos plug-in, podendo, de uma forma gradual, ir transitando parte desses incentivos/benefícios para os veículos 100% elétricos, mas nunca suspender ou diminuir os mesmos pois seria uma mensagem errada dada a todos nós e ao mercado em geral.

A utilização correta dos veículos elétricos híbridos plug-in permite aos seus utilizadores e respetivas famílias, após a constatação dos enormes benefícios da condução em modo elétrico, a passagem do veículo híbrido plug-in para o veículo 100% elétrico, é uma questão de fazer contas, mas também de ter em atenção as preocupações ambientais a que todos nós estamos muito mais despertos nesta fase de pandemia da covid-19.


Mitsubishi Outlander PHEV a carregar num PCR – Posto de Carregamento Rápido


Os veículos híbridos plug-in são um passo importante e uma porta de entrada para a mobilidade elétrica, para um número cada vez maior de utilizadores, sempre e quando lhe seja dada a utilização para a qual ele foi concebido.

Tudo o resto, alterações de valores de emissões, informação incorreta, imprecisa ou negligente são casos de polícia e como tal devem ser tratados. 

Realçar que um Desastre Ambiental, entre muitos outros, é o naufrágio de um petroleiro ou a explosão de uma plataforma de exploração petrolífera off-shore, com impactos nefastos na natureza e no ambiente e que perduram anos, e não, de todo, o uso por vezes incorreto ou ineficiente de um veículo híbrido plug-in, como nos tentam fazer crer.


Consulte a edição digital da Revista Blueauto, nº 38

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